Nos estúdios do Teatro de Arte de Moscou: movimento, singularidade e criatividade
Uma das bandeiras de luta erguidas pelo ator, diretor e pedagogo teatral russo Constantin Stanislávski (1863-1938) foi contra o diletantismo no teatro de sua época, contra os estereótipos de atuação e os clichês. Compreendia a genialidade dos grandes atores e buscava pela observação destes e por meio de suas próprias experiências, princípios pragmáticos capazes de estimular a inspiração criativa. Entendia que o processo de assimilação de uma psicotécnica criativa demandava um longo tempo de intenso labor sistemático, uma vez que não se tratava de um caminho metodológico no sentido de passos a serem seguidos, tratava-se, antes, de um longo processo de absorção prática de um conhecimento a ponto de este tornar-se uma segunda natureza orgânica do ator. Talvez, tenha sido com Stanislávski que o encenador polonês Jerzy Grotowski aprendeu que em teatro todo conhecimento pressupõe um saber fazer.
Stanislávski estava inserido em um grupo de artistas que desejavam a renovação das artes da cena viva no início do século XX. Nesse sentido, não podemos esquecer que na Rússia do final do século XIX, pairava um ímpeto revolucionário e os jovens Constantin Serguéievich Stanislávski e Vladimir Ivanovitch Nemirovitch Dantchenko, ao fundarem o TAM — Teatro de Arte de Moscou, pretendiam ser o território de vanguarda que daria nova vida ao teatro da época.
Stanislávski estava certo de que para ter sucesso em tal empreitada, necessitava um novo ator que fosse um “artista verdadeiro”. De acordo com a pesquisadora Nair D’Agostini,
“[…] o ideal das buscas artísticas e metodológicas de seu “sistema”, sempre foi o de possibilitar a formação de um ator que ultrapassasse a mera interpretação de um texto, que participasse ativamente do processo de criação, sendo resgatada a sua individualidade como sujeito criativo, através de sua especificidade artística. (2009, p. 24)”.
Nesse contexto, o ator da experiência/revivência em Stanislávski não segue modelos prontos de composição de personagens, mas empreende um processo sobre si mesmo a partir das circunstâncias dadas que o levam até a composição de maneira orgânica, ou seja, segundo a lógica e coerência interna do processo e do modo como ele experiencia este processo.
Falar sobre o percurso artístico, pedagógico e investigativo de Stanislávski é extremamente complexo. Seu percurso compreende uma espiral de conhecimento marcada por transformações constantes. O sistema desenvolvido pelo mestre russo consiste até hoje, segundo a pesquisadora Helena Vássina, no único sistema pedagógico e de atuação sistematizado no ocidente. O sistema, que contém diversos métodos, princípios, estratégias, serve tanto para o processo de formação de atores e diretores quando para a condução de processos criativos e para a relação do ator com o diretor.
No livro O ator da organicidade e a cena contemporânea, você encontra um panorama do trabalho desse reformador do teatro no século XX do ocidente e a aplicação prática de abordagens singularizadas de elementos e princípios do sistema.