Um exemplo positivo de evento híbrido no formato festival
Os desafios que a pandêmia da COVID-19 lançou sobre o setor de eventos e produção cultural são gigantescos e precisam ser enfrentados com criatividade e inovação. As respostas para esta situação global certamente não virão de modelos, formatos e modos de produção e de pensamento conhecidos. As respostas estão no amanhã, assim como as perguntas também estão. Acreditar que tudo voltará a ser como antes é a pior atitude a se ter e não estar atento ao momento para perceber as mudanças em curso é a receita para a estagnação.
Eventos culturais, de entretenimento, sociais ou corporativos tem em comum o encontro, o contato, humano-humano. O sentido de existir de um evento é a socialização de uma experiência compartilhada. Isto reverbera no teatro e outras artes da cena, nos shows musicais, em feiras ou nas vernissages. Somos seres sociais e que gostam de compartilhar experiências.
Durante o confinamento percebemos que apenas o digital não supre essa demanda humana. Embora tenhamos encontrado formatos digitais interessantíssimos e que, certamente, passaram a ser parte da nossa vida sem chance de serem novamente retiradas, a sensação de vazio provocada pela ausência do outro como presença física, ecoou com força.
O híbrido apareceu como conceito síntese daquilo que deveríamos buscar. Neste texto, apresento um exemplo positivo de evento híbrido no formato festival multilinguagem que foi testado no dia 06 de outubro no Goethe-Institut Salvador-Bahia. Meu nome é Leonel Henckes e sou coordenador de programação cultural do Goethe-Institut em Salvador, idealizador e produtor do Festival Híbrido dentro da Instituição. Minha proposta com este artigo não é apresentar uma receita, mas, compartilhar estratégias e resultados observados para inspirar outros produtores e artistas.
O espaço para o evento híbrido
Ao iniciarmos o planejamento do Festival Híbrido Vila Sul Multilinguagem, entendemos que o evento aconteceria em diferentes espaços da cidade de Salvador, Bahia e no prédio do Goethe-Institut. Também, que deveria acontecer em pelo menos duas redes sociais (Instagram e Youtube) além de ser ativado no Facebook. O grande desafio era a vernissage/abertura. Como fazer uma vernissage de uma exposição de artes visuais fisicamente montada numa galeria e na qual haveriam performances e ativações de obras por artistas sem público presente?
Embora o protocolo da Prefeitura Municipal de Salvador já autorizasse eventos e exposições, queríamos garantir que se convidássemos público para o evento era imprescindível garantir segurança e conforto.
De acordo com o tamanho da galeria, era possível colocar 10 pessoas por vez no espaço. Como temos um grande pátio interno (fotos acima) decidimos que o público permaneceria ali sendo entretido por DJ e que fosse adentrando a exposição em grupos de 10 pessoas por vez. Essa organização se deu já na compra do ingresso quando fazia-se necessário escolher um grupo que foi identificado por uma cor através de um bóton recebido na entrada do evento. Sistema, este, que funcionou perfeitamente bem.
As performances que aconteciam na parte interna eram transmitidas em tempo real para o público do pátio através de um telão e as pessoas podiam acompanhar, também, a transmissão no youtube, através dos seus smartphones.
O desafio que ainda se afigurava a nossa frente era: como colocar 60 pessoas num espaço com DJ, bebida e comida e evitar que todas tirassem suas máscaras e começassem a se aglomerar? Para solucionar este problema, encomendamos para um arquiteto que criasse uma cenografia que estimulasse a setorialização do público, que estimulasse sua distribuição no espaço. O arquiteto criou os cubos que podem ser vistos nas fotos, banquinhos e colocamos aquelas árvores para criar sensação de que o espaço estava dividido em vários sub-espaços.
Além da cenografia, colocamos os DJs numa área mais alta (cumprindo a distância de 5m entre artista e público exigida pela Prefeitura). Finalmente, sinalizamos o espaço amplamente com lembretes sobre o uso de máscaras e a importância do distanciamento. Totens de álcool em gel estavam espalhados por toda a parte ajudando a provocar essa lembrança.
Na data de postagem deste artigo, já se passaram 2 semanas da realização do evento e não tivemos notícias de contaminação. O evento transcorreu sem problemas e o público manifestou ter se sentido protegido e confortável. Muitas das pessoas presentes estavam vivenciando o seu primeiro evento presencial desde o início da pandemia.
Live híbrida
Dentro da programação do Festival Híbrido Vila Sul Multilinguagem que apresento como um exemplo positivo de evento híbrido no formato festival, aconteceram diversas ações com uma programação (veja aqui) de intervenções artísticas, performances e instalações de artes visuais além de bate-papo com curador e artistas ao vivo no instagram e uma live híbrida no youtube.
A live Choque de Monxtras consistiu num encontro entre 3 drag queens da Bahia, pertencentes ao movimento Monxtras e 3 drag queens de Belém do Pará, pertencentes ao coletivo Thêmonias. O encontro foi mediado por Uhura Bqueer, artista residente do Programa Vila Sul do Goethe-Institut Salvador-Bahia.
O evento aconteceu no teatro do Instituto em Salvador/BA no qual estavam presencialmente presentes as Monxtras e Uhura. No telão, com participação através da plataforma zoom, estavam as Thêmonias. O formato intercalou perfomances musicais e bate-papo. Tudo foi transmitido ao vivo no canal do youtube @Goethe.Bahia.
Neste evento específico, destaco a composição com participantes presenciais e digitais em um evento que poderia estar sendo acompanhado presencialmente no teatro ou digitalmente no canal do youtube sendo que em ambas haveria uma experiência positiva de entretenimento e fruição artística.
Abaixo player para assistir ao registro audiovisual do evento Choque de Moxntras.
Outras ações híbridas
Para finalizar, faço um apanhado geral das outras ações que compuseram o Festival Híbrido Vila Sul Multilinguagem que aconteceu em Salvador/Bahia de 06 a 09 de outubro em meios digitais e presenciais ou, como já se fala entre criadores de eventos, em formato 2D e 3D.
No intuito de ocupar espaços da cidade trazendo a sensação de festival e buscando atingir públicos distintos num contexto em que deslocamentos urbanos não são muito recomendados, alocamos uma das performances na Praça da Piedade, no centro de Salvador. A perfomance consistiu numa “pregação” da multiartista, cantora góspel, pastora e travesti Ventura Profana . Nosso receio, nesse caso, foi o de provocarmos tumulto e aglomerações na praça, contudo, o público interessado manteve distanciamento em relação a artista e, também, em relação aos outros presentes. A segunda ação consistiu na ativação de uma escultura “Modus Operandi da Justiça Penal” do artista visual No Martins no Acervo da Laje, subúrbio ferroviário de Salvador. Como se tratava de um local afastado do centro, contamos com a administração do espaço para convidar apenas o número de pessoas que poderia ocupar com segurança o local. A ação foi transmitida ao vivo pelo instagram e disponibilizada no IGTV.
Finalmente, encerrando o festival, houve a performance/instalação “Aos que se foram, aos que aqui estão e aos que virão”, também de No Martins na praça do Mercado Modelo no Centro Histórico de Salvador.