Leonel Henckes

O desaparecimento dos Mestres

As pessoas da minha idade certamente lembrarão da relação divertida entre Daniel San e seu mestre o Sr. Miyagi em Karatê Kid. O filme mostra uma estereotipada relação mestre-discípulo. Podemos falar no desaparecimento dos Mestres como Sr. Miyagi?

Esta semana eu perdi um mestre parecido com o Sr. Miyagi. Não me ensinou Karatê, mas, me ensinou a ser ator. Posso dizer com orgulho que ainda tive um Mestre. Na verdade mais do que um. Tive alguns Mestres na minha trajetória de formação e cada um contribuiu ou me impulsionou em um aspecto diferente do que me era necessário.

Perder um Mestre é uma sensação estranha e dolorosa. É como perder um membro da família ou mais. É como subitamente estar completamente sozinho e com uma responsabilidade sobre um legado, sobre uma história.

O que gostaria de refletir neste artigo é, porém, a relevância dos Mestres e Mestras nos processos de formação e auto-descoberta. Essas pessoas podem ser um chefe, um professor, um amigo e etc. (aplica-se a todas as palavras todos os gêneros) e são responsáveis por provocar, desafiar, “puxar o tapete”, acalmar, apontar direções, ajudar nas descobertas e no desenvolvimento dos nossos potenciais.

Aqui chego ao título do artigo, “o desaparecimento dos Mestres”, que me ocorre ao observar, primeiramente, um comportamento presente na maioria dos jovens estudantes e iniciantes em carreiras diversas que, talvez por estarem forrados de informações e dados, sentem-se prontos e autossuficientes para conduzirem seus próprios processos. Por um lado essa autossuficiência é positiva, por outro lado, deixa-se de aproveitar uma faceta linda da relação mestre-discípulo que consiste em seguir e repetir os ensinamentos até dominá-los e então criticá-los, refutá-los ou transformá-los. Também, na possibilidade de testar-se e no confronto com o Mestre descobrir seus pontos fortes e fracos.

Nesse processo, temos a oportunidade de nos conhecer e nos descobrir. Temos a oportunidade de saber se existe um ator dentro de nós ou um empreendedor ou um escritor ou o que quer que seja. Conforme disse o prêmio Nobel, professor Daniel Kahneman, não é possível desenvolver algo que já existe dentro de você. Se não existir um ator dentro de você, não é possível produzir um de fora. O mesmo vale para um líder, um empreendedor, etc. 

Atualmente cada dia mais nos deparamos com pessoas repletas de informações, de arrogância e superficialidade. Essa superficialidade, óbvio, é uma marca do nosso tempo e talvez qualquer profundidade já tenha se tornado dispensável. Tudo é superficial, prático, eficiente e encapsulado para a venda.

O título me chega, também, a partir do contato com algumas pessoas que atuam com “mentorias”. Escrevo entre aspas porque há similaridade entre Mentores e Mestres, contudo, os “mentores” que vemos por ai não vem da experiência, mas, da decoreba e do marketing. Esse mercado explodiu nos últimos anos como praga em todas as áreas do conhecimento e satisfazem, em última instância, essa tendência ao superficialismo e a fuga dos processos para se chegar a um resultado. Substituímos Mestres por “mentores” que, muitas vezes, sequer têm experiência no assunto que abordam, mas, com boas doses de personal branding e “técnicas de mentoria” vendem os seus serviços para pessoas e profissionais ávidos por receitas e soluções rápidas.

Esse assunto das “mentorias”  introduz outro assunto, que pretendo tratar em outro texto, e que diz respeito a relação mentoria, consultoria e terapia. Um Mestre é um mentor, um terapeuta e muitas coisas mais e o é por ter passado por um processo completo. Ele sabe quando ativar cada frente. Muitas “mentorias” que tenho visto sequer terapêuticas são, parecem mais sessões coletivas de auto piedade e masturbação emocional.

Seja em Universidades ou no mercado, Mestres desaparecem e tomam seu espaço mentores, consultores e transmissores de informações que satisfazem essa demanda superficial trazida por profissionais buscando ascender rapidamente no mercado.

Diante disso, insisto que devemos valorizar e tirar o máximo proveito possível dos Mestres que restam. Posso estar completamente enganado, mas, a superficialização dos processos humanos e das relações os fará desaparecer por completo e em breve termos que nos conformar com horas apressadas de mentores com estratégias infalíveis e de resultado rápido.

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