Leonel Henckes

As artimanhas do tédio

Um corpo destreinado é como um instrumento musical desafinado, em cuja caixa de ressonância há uma barulheira confusa e dissonante de ruídos inúteis, impedindo a audição da verdadeira melodia. Quando o instrumento do ator, seu corpo, é afinado pelos exercícios, desaparecem as tensões e os hábitos desnecessários. Ele fica pronto para abrir-se às ilimitadas possibilidades do vazio. Mas há um preço a pagar: diante desse vazio desconhecido surge, naturalmente, o medo. Até mesmo um ator de larga experiência, sempre que vai retomar seu trabalho, quando se vê na borda do tapete sente esse medo voltar – medo do vazio dentro de si mesmo e do vazio no espaço. Imediatamente, ele trata de preencher o vazio para livrar-se do medo, tentando achar alguma coisa para dizer ou fazer. Sentar-se imóvel ou ficar quieto requer muita coragem. A maioria das nossas manifestações exageradas ou desnecessárias provêm do pavor de não estarmos realmente presentes se não avisarmos o tempo todo, de qualquer jeito, que de fato existimos. Isso já é um grande problema no dia-a-dia, em que pessoas nervosas e descontroladas podem nos infernizar a vida; mas no teatro, onde todas as energias devem convergir para o mesmo fim, a capacidade de reconhecer que se pode estar totalmente “presente”, embora aparentemente sem “fazer” nada, é fundamental. É importante que todos os atores reconheçam e identifiquem tais obstáculos, que neste caso são naturais e legítimos. Se perguntamos a um ator japonês sobre meu modo de atuar, ele admitirá que já enfretou e superou essa barreira. Quando atua bem, não é porque elaborou previamente uma composição mental, mas sim porque criou um vazio livre de pânico dentro de si.

BROOK, Peter. A Porta Aberta. p. 18