E de repente, estrangeiro no próprio país.
– Não, eu sou brasileiro, acredite! (digo para baiana de acarajé)
– Mas, você não é baiano. (ela responde)
E de repente, já não sou Leo ou Leonel, muito menos Leonel Henckes. Sou “o gaúcho”, “o menino do sul”, “o branquelo”. Sem pátria, sem nome, destituído de minha identidade cultural e dos referentes que me davam um sentimento de pertença, sinto-me a deriva ou melhor, em um espaço de Devir. Como observador distanciado e ao mesmo tempo profundamente mergulhado em um universo cultural, tenho a oportunidade de me olhar de fora e perceber que aquilo que para mim representava a realidade, é como um espaço ficcional, de códigos tecidos ao longo de uma história reforçada por tantas narrativas, mítos e símbolos. A metateatralidade da realidade é confirmada por meu olhar, agora estrangeiro.
Recordo meu trabalho de conclusão de curso na graduação. Investigava a questão da percepção no trabalho do ator e sua capacidade de percorrer e criar espaços ficcionais. Ao final, sintetizei a experiência no conceito de “corpo mágico”, oriundo de culturas xamânicas da américa pré-hispânica e me apresentado pelo pesquisador Gabriel Weisz. O “corpo mágico”, no meu trabalho, se converteu na metáfora de uma presença consciente nos processos de criação e expressão. Um corpo que é consciente e contém consciência, que cria e se auto cria em relação aos discursos do ambiente ao redor. Destaca-se aqui, discursos. Discursos remetem a narrativa, a texto, a palavras, a códigos, a significados, a linguagem. Linguagem que representa cultura, que cria realidade, que através de seus conceitos fixa uma existência, um estado de coisa. Linguagem que permitiu ao homem civilizar-se, organizar-se, tornar-se ser complexo, no sentido dado por Edgar Morin.
Nesse contexto, estabeleci o “corpo mágico” como minha busca como artista e como homem. Estabeleci a não-expectativa de sucesso ou fracasso, o agir como guerreiro e o vivenciar, instante após instante, cada passo da jornada empreendida. Conclui que a camada “corpo mágico” estava a partir de um “choque de culturas”, um choque de linguagens que leva à uma desestabilização das estruturas fixadas pela memória em suas várias faces, por minha noção de sujeito e personagem social. Trata-se de uma desordem que pudesse me colocar em outro lugar e me possibilitasse novos olhares sobre as realidades e verdades que crio. Tudo isto, definiu minha escolha pelo estado da Bahia, pelo PPGAC e por não visitar uma cultura exterior ao meu país.
Imerso neste turbilhão de imagens, informações, modos de ser e estar, me perco no que considero teatro, no que busco no teatro, numa expansão sem fim de horizontes. Neste mar, sou obrigado a definir um ponto de referencia e me questiono sobre minha identidade na arte.É provável que não haja quaisquer respostas, apenas um imenso caminho se abre, um caminho por ser desbravado de busca e descoberta. Descubro que há apenas o si mesmo como território potencial, como eixo, como ponto de partida para um caminho na arte.